Ok, se calhar exagerei na explicação.. Como eu tenho um gosto especial por coisas mecânicas, e imaginar rodas dentadas a mexer, e assim (engenhêros.. :geek: ) até gosto de pensar nisto e uma explicação ao de leve costuma dar-me material para ficar a pensar e a gastar tempo imaginativo durante horas.. Na realidade, há variadas formas específicas de colocar uma montagem equatorial em estação. Essas, como são muitas, e têm as suas vantagens e desvantagens, ficam melhor lidas noutro lado, que pode mesmo ser neste forum (
equilibrar a montagem,
alinhar de forma precisa uma montagem (percebendo porquê), :arrow:
alinhamento polar em casos difíceis).
Mas assim genericamente, um tipo que tenha a sua montagem equatorial apetrechada e pronta para ir para o campo pela primeira vez, deve ter que fazer as seguintes coisas:
- Não o fazer de noite! Se é a primeira vez, nunca se deve fazer às escuras. É a mesma coisa que comprar um teclado para o computador em esperanto, e começar a escrever palavras numa única tentativa com caracteres estranhos como ç ñ ü etc de olhos vendados.. Não se consegue, e é frustrante! Primeiro convém ver onde os caracteres estão no teclado antes de se carregar neles. Da mesma forma, convém conhecer a montagem antes de se a ver preta em fundo preto à noite..
os nomes Ascenção Recta (AR) e Declinação (Dec) são o que chama aos dois eixos da montagem equatorial. AR, como o nome sugere tem a ver com a ascenção dos astros de Este para Oeste, é o percurso do Sol, da Lua, da malta toda em geral.. O motor da montagem costuma ficar a rodar de Este para Oeste, para ir seguindo o céu..
Declinação é o outro eixo.. é o que mexe na perpendicular a esse, algures entre o Norte e o Sul, para que o telescópio consiga apontar para outros sítios que não só o equador.. As montagem costumam ter travões em cada um destes eixos para deixar ou não que se consiga mexer o telescópio à mão.
Já dá para imaginar que é preciso imaginar o céu agora, em vez de ser como uma coisa que varia durante o ano, como uma coisa esférica que é sempre igual, mas que roda em torno de um eixo inclinado em relação ao sitio onde estamos. deixa de ser só o para cima e para baixo, ou esquerda e direita, e passa sempre a ser só "para Oeste", é para aí que o céu anda e é sempre igual e à mesma velocidade.
Depois de se saber como a coisa funciona, montar é relativamente simples:
um tripé,
uma montagem bem presa lá,
a seguir pode-se colocar um contra-peso e tranca-se os eixos
depois mete-se o telescópio com o eixo de declinação na vertical
ter cuidado a que tudo parece equilibrado para evitar que algo dê um trambulhão devido a haver mais peso do lado do telescópio que do lado do contrapeso.
como não se conhece bem os pesos, nem como tudo vai reagir quando se destrancarem os eixos, convém ter as coisas bem agarradas com uma mão e só destrancar um eixo de cada vez.
depois há estratégias que cada um pode desenvolver para equilibrar a montagem começando por equilibrar num ou noutro eixo.
Pessoalmente balanço tudo a olho em Declinação, com tendência a ter os contrapesos mais afastados da montagem do que o equilíbrio perfeito, a seguir agarro bem no tubo e destranco a Ascenção Recta para ter a noção de quanto ele está fora de equilíbrio e ajusto a posição dos contrapesos conforme a necessidade.
Para o equilíbrio fino, costumo ter um eixo que quero equilibrar o mais horizontal possível (e para isso convém que o outro eixo já tenha sido equilibrado a olho como disse antes para evitar que algo tombe) para assim qq diferença de peso (torque para ser mais preciso) ser mais notória.
Cada vez que se mete qq coisa de pesado na montagem convém voltar a equilibrar tudo.
Depois da montagem estar toda carregadinha com telescópio, oculares, anéis do telescópio-guia, máquinas fotográficas, cata-ventos, candeeiro de LEDs a piscar em sintonia com o tráfego aéreo, etc, então convém alinhar-se a montagem com o eixo de rotação da Terra. Digo isto agora, porque o peso que está em cima da montagem pode ter influência na posição do alinhamento. a montagem sem nada em cima pode estar alinhada, mas se levar a seguir com um telescópio e contrapesos em cima, pode apontar um pouco mais abaixo de onde devia, por exemplo.
Assim ao de leve, a forma mais rápida de alinhar a montagem para observação visual é espreitar pelo buscador polar da montagem, e ver Polar do mesmo lado do retículo para onde nós vemos no céu o resto da constelação da Ursa Menor (isto porque a imagem no buscador aparece invertida, e o verdadeiro centro de rotação da terra está mais para dentro da constelação em relação à Polar).
Umas imprecisões no allinhamento aqui funcionam sem problemas, porque observando visualmente não nos importamos de ir fazendo uns ajustes em Declinação.. Em fotografia, a coisa pia mais fino, porque não se tolera tanto rotação de campo. (recebi ontem mesmo a revelação de uma foto que fiz ao céu, onde se nota bem a rotação de campo) Basicamente a imagem roda em torno da estrela que usámos para ir mantendo o telescópio a apontar para o "mesmo sítio"..
Por causa disso, os malucos pela astrofotografia, armam-se em malucos a alinhar a montagem, e elogiam a precisão do
método das derivas para o fazer. Método este, que pode ser descrito de forma tão simples como "ajustar a montagem de modo que não seja preciso corrigir a posição do telescópio em declinação!".
Depois de passada 1~2 horas a fazer isto (das primeiras vezes é assim, leva tempo
) é chegado o momento de observar.. Epá, aqui diverte-te.. Deixa o resto para os outros dias
Nos outros dias, então começamos a perceber que imaginar o céu torto para mexermos num eixo de cada vez dá direito a umas ginásticas mentais curiosas. Em especial se estivermos a olhar para perto do pólo, onde aquilo anda tudo à volta de um ponto. Por volta desta altura há-de aparecer a curiosidade de como ler os círculos graduados e para que servem aqueles tracinhos todos.. É giro.. É preciso algum treino para ler aquilo rapidamente e acertar para o próximo objecto. Funciona como uma craveira, mas para começar basta só ligar ao tracinho do zero "0", e pronto. esse tracinho é o que te diz os graus da declincação, ou as horas do céu em Ascenção Recta.. Ao fim ao cabo, as coordenadas do telescópio.
Hás-de reparar que os círculos rodam se a gente agarrar neles. Não te baralhes com isto, porque é mesmo assim. Isso quer dizer que a montagem nunca tem uma origem do referencial definida de fábrica, e ainda bem.. Dado que a precisão destas coordenadas depende de muita coisa, a forma mais precisa de as utilizar é partindo de objectos com coordenadas conhecidas que estejam perto do sítio para onde queremos ir.
Olha-se para a estrela conhecida, tranca-se os eixos, mete-se nos circulos graduadas a posição dessa estrela. a seguir, usa-se o motor ou manípulos de movimento até que as coordenadas do telescópio sejam as que queremos, e se estudámos bem a lição, somos recompensados com o objecto que queremos no centro da ocular
Há só que ter cuidado em garantir que o circulo graduado de declinação está orientado no sentido certo, para não se ir para Sul, a pensar que estamos a ir para Norte (o "0" da declinação deve estar bem perto do equador e não dos pólos
)
Nesta altura começa a surgir a necessidade de ter uma carta celeste, uma mesinha, um banquinho, uma chávena e um termo com café, etc..
Precauções importantes:
- quando estamos cansados e com sono, tudo o que seja óbvio deve ser respeitado: convém ter os travões dos eixos apertados a cada alteração que se faça, incluindo mudar uma ocular! Toda a gente se esquece disto, mas quando tiverm umas Naglers pesaditas, ou máquinas fotográficas, ou barlows com máquinas fotográficas, não digam que não foram avisados!
- manter sempre telescópios guia bem presos, mas BEM mesmo! Com o frio o telescópio guia tende a ficar mais fino, e a humidade torna-o escorregadio. Se estivermos a espreitar por ele na altura em que ele escorrega, é provável que o nosso olho nos chame nomes durante o resto da noite!
- Passando da noite para o dia, NUNCA apontar um telescópiozão, telescópiozinho, ou telescópiozeco para o Sol sem protecção. Isto inclui telescópio principal sem filtro solar ou tampa, telescópio-guia sem filtro solar ou tampa, buscador do telescópio sem tampa!
Pronto, acho que cobri mais ou menos o percurso completo de forma não muito detalhada, mas sem esquecer detalhes de segurança pessoal e material importantes..